Um escritor se sente gratificado por razões diversas. Para
muitos, não é o dinheiro dos direitos autorais que conta, mas o interesse das
pessoas pelo que ele escreveu, a emoção dos leitores sintonizados com o livro,
o possível bem que seu texto faz surgir... Ver um livro transformado em filme,
novela, peça teatral, experimento acadêmico ou simplesmente cumprindo seu papel
junto aos que o descobrem é fantástico. Ver um livro “carnavalizado”, então -
num país em que o Carnaval é sua festa mais marcante - pareceria inatingível,
para uma pesquisadora e escritora nordestina... Mas isso aconteceu comigo, em 1995.
A ousadia
de um carnavalesco apaixonado pelo arquipélago deu formas ao sonho e
transformou as Lendas de Fernando de Noronha no enredo da Escola de
Samba Estação Primeira de Mangueira, entre alegorias, roupas luxuosas,
samba-enredo e bateria, “derramando-se” pela Sapucay, arrastando consigo os
fantasmas de todos os tempos, as crenças nascidas do medo e da solidão de
presos infelizes, carregando no coração as histórias perpetuadas pela oralidade
ou registradas em épocas remotas.
Pernambuco
era convidado do Rio de Janeiro. Fernando de Noronha era a estrela-maior da
verde rosa, chegando à passarela do samba conduzida por golfinhos, peixes,
tartarugas, corais, espumas azuis, cavalos marinhos... Tudo perfeitamente
realizado pelo milagre de mãos artesãs e tecnologia reinventada por artistas
anônimos. Lindo! Lindo! Lindo!
O livro “FERNANDO
DE NORONHA - LENDAS E FATOS PITORESCOS” - fielmente retratado, expunha
carros alegóricos e alas perturbadoras: a Alamoa gigantesca,
loura e sedutora; a Cacimba do Padre, soturna e arruinada, com
seu guardião-fantasma; o Cajueiro da Cigana, de enormes frutos
e belas morenas, com baralhos de cartas nas mãos; o Mostro do Sueste,
rodeado de pescadores assombrados; o Tesouro do Capitão Kidd, cheio de
outro e de moedas gigantes, guardados por um dragão ruidoso e pelo fidalgo
pirata dos mares... Outras lendas fidedignamente tratadas e, em tudo, a
natureza esplendorosa da verde Esmeralda do Atlântico... Até suas algas
apareceram, na linda Comissão de Frente, um tesouro de encantamento!
Como foi
abençoada aquela madrugada do Carnaval de 1995, aquele samba exaltação,
aquele colorido! Emoção pura. E a autora do livro misturada à folia de tantos,
seguiu pela avenida apregoando também: “Achei Noronha, o meu maior
tesouro”, como dizia o samba-enredo...
O recado
estava dado. Fernando de Noronha mostrava ao mundo sua face antrópica, espelho
de uma presença humana que tantos desconhecem, afirmando-se como terra de um
passado notável, marcado por sofrimentos antigos e medos enormes, expressado em
lendas que aliviavam o coração e buscavam explicação sobrenatural para o
dia-a-dia tão longe do continente, “fora-do-mundo”, como diziam os
encarcerados.
Ilvamar
Magalhães, o carnavalesco e Roberto Firmino, presidente da
Mangueira, cumpriram esse compromisso assumido. Pernambuco foi ao Rio de
Janeiro, naquele ano de 1995. Todos viram. Todos aplaudiram.
Viva a Mangueira! Viva Fernando de
Noronha!
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Foto 01 - Desfile na Sapucay - Alamoa - personificada por Angélica.
Foto 02 - Protótipo do carro alegórico "Cajueiro da Cigana"