segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

MORREU SEIXAS DÓRIA, O "RÉU SEM CRIME"


Morreu João de Seixas Dória, o governador deposto em Sergipe e que, durante meses, dividiu um mesmo espaço com Miguel Arraes, em 1964, em Fernando de Noronha... Ele mesmo fala desse tempo de inquietação, no livro “Eu, réu sem crime”, onde recorda o sua prisão e confinamento no arquipélago: “Quando fui preso, os militares me levaram para a sede da 5ª Região Militar, em Salvador (BA). Depois de quatro dias, fui transferido para o Recife e de lá para Fernando de Noronha. Passei alguns dias isolado e depois me transferiram para o quarto onde estava Arraes. Ali convivemos durante quatro meses. Saíamos juntos para tomar banho de sol. Até que fui solto e levado outra vez para Salvador, quando achei que seria morto”,

Na obra deix
ada, em nenhum momento o ex-governador sergipano relata a prática de tortura física, como acontecia nas cadeias do continente, onde pessoas perderam suas vidas batendo de frente com o regime imposto pelos militares. Contribuía para isso o reto proceder do então Governador noronhense, Cel. Jayme Augusto da Costa e Silva.

Este governador, João de Seixas Dória, fazia parte da chamada “bossa-nova” - a UDN - e foi um dos primeiros a se aliar à Frente Parlamentar Nacionalista. Isso lhe valeu ser considerado um “esquerdista” e fez com que fo
sse cassado, preso e remetido para Fernando de Noronha. Confinado em Salvador, à espera de ser mandado para a ilha, escreveu ao Presidente da República, Castelo Branco, pedindo que fosse feita uma devassa no seu governo, para que ficasse provado que lá não havia subversivos nem corruptos... Não foi atendido. Libertado, tempos mais tarde, escreveu seu livro de memórias (publicado no Rio de Janeiro, pela Editora Codecri, em 1980), incluindo nele a carta enviada ao Presidente da República, pedindo para ser julgado de forma justa, e que não teve resposta.

Nas memórias do ex-Governador de Sergipe, está o susto vivido numa noite, em que Miguel Arraes foi levado de repente do quarto onde estava preso junto com ele, com a desculpa de que ele “iria dar um depoimento”. Passaram-se horas e horas e nada dele voltar. Às tantas ouviu-se um estampido e um grito no pátio. Apareceu um Sargento anunciando: - “Aquele tiro, Dr. Seixas, eliminou o ex-governador Arraes”. Abalado com a notícia, sofreu a perda do companheiro, a quem tanto admirava. Não quis comer. Não conseguiu dormir. No dia seguinte, encontrou-se com Miguel Arraes, vivo. Tudo não passara de um ato de terrorismo psicológico. Este fato é contado pelo próprio Seixas Dória, e também por Bento da
Gama Batista, outro preso político na ilha, na obra “1964- agonia em Fernando de Noronha: depoimentos sobre o cárcere da ditadura militar”, editado pela Ed. Universitária da UFPB, em 2000.
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Agora, Seixas Dória se foi, aos 94 anos. Entrevistado por mim, em 2010, em Aracaju, afirmou não sentir mágoa de ninguém, ainda que tivesse sido injustiçado...

O Governador de Pernambuco, Eduardo Campos, neto de Miguel Arraes, o companheiro de cela de Dória, expressou os sentimentos de Pernambuco ao governo de Sergipe, pela perda do importante político. Resta-nos – a todos – sua importante obra, existente no acervo do “Programa de Resgate Documental sobre Fernando de Noronha”, nos dois volumes doados, um retrospectivo dos tempos de prisão, e outro, reunindo artigos publicados em jornais, em tempos diversos, muitos dos quais também falando em Fernando de Noronha.

E foi o arquipélago onde amargou sua prisão que lhe prestou uma homenagem televisiva, num especial levado ao ar na TV Golfinho, no dia seguinte à sua morte, recordando momentos vividos por ele em sua trajetória política e, em especial, a foto que consta do seu prontuário, feito no dia de sua chegada na ilha: 12 de abril de 1964.

João de Seixas Dória: um nome para não ser esquecido!
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Foto 01: discurso de posse como Governdaor de Sergipe - 1962.
Foto 02: com Ulysses Guimarães, na luta pelas "Diretas Já".
Foto 03: Preso em Fernando de Noronha, em 12 de abril de 1962.

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