sábado, 20 de dezembro de 2008

DENOMINAÇÃO DAS RUAS DE UM LUGAR


E do sonho dos homens que uma cidade se inventa
(Carlos Penna Filho)

Por que dar nomes aos lugares?

As cidades, as vilas, os lugarejos, nascem do sonho e da necessidade dos homens. Tudo carrega a “marca” daqueles que fizeram surgir o lugar. E tudo nasce marcado pela necessidade da ordem, da lógica, que permita a sua fácil identificação. Daí o uso de números, de letras, de nomes, de “códigos” inventados pelo homem, para que essa ordem se mantenha e seja entendida por todos e para sempre.

A definição de um espaço urbano, exige que, desde o começo, atribua-se alguma forma de classificação, geralmente feita em letras ou números, que torne claro o seu desenrolar espacial. São assim as chamadas “rua projetada 1”, “rua projetada 2”,... ou as “quadra 1”, “quadra 2”, “quadra 3”... ou o “lote 1”, “lote 2”... e assim por diante. Depois, quando chegam os moradores definitivos, essas quadras, lotes, ruas, recebem uma outra identificação, no nome que virá a ser a sua marca imorredoura.

No passado, costumava-se atribuir nomes poéticos às ruas, aos bairros, que celebrassem a paz e a harmonia do universo. Ou que lembrassem acontecimentos marcantes. No Recife, são célebres os nomes antigos, cantados em verso e prosa. Rua da Alegria, da Amizade, do Sol, da Aurora, da União, da Saudade, no Recife. Ou Rua do Sol, da Saudade, da Bela Vista, em Olinda. Ou nomes como “Rua da Roda”, lembrando a “roda” de um orfanato, onde mães abandonavam seus filhos recém-nascidos, colocando-os numa espécie de catraca e rodando-a para que fossem para dentro da casa e lá ficassem... Depois, a mentalidade servilista de alguns líderes trouxe o modismo dos nomes de pessoas às ruas, aos bairros, às cidades, substituindo-se nomes cheios de beleza por nomes de gente importante. Exemplo disso é a antiga “Maricota”, em Pernambuco, modificada para Município de Abreu o Lima.

Manoel Bandeira, o grande poeta pernambucano, lembra, no seu poema “Recife”: “como eram belos os nomes das ruas da minha infância!” E comenta, a seguir: “tenho medo que hoje se chame rua Fulano de Tal!”

OS NOMES DOS ESPAÇOS EM FERNANDO DE NORONHA

O homem habitou Fernando de Noronha, de forma definitiva, desde 1737. E o fez, recebendo presos comuns e militares para comandá-los. Num primeiro momento, esses correcionais ocuparam os presídios e seus comandantes as poucas edificações feitas para esse fim. Havia poucos logradouros, “batizados” de acordo com o edifício principal que aí estivesse localizado E surgiram a Praça e a Travessa dos Remédios (por causa da Igreja), a Rua do Sol (onde o sol chegava pela manhã), a Travessa da Estrela (que tinha casas de um só lado e permitia a contemplação do céu estrelado), o caminho velho para a Vila da Quixaba e assim por diante. Depois, quando o modismo de atribuir nomes de pessoas foi deflagrado no Brasil-continental, comandantes de Fernando de Noronha foram denominando com nomes de antigos servidores alguns prédios públicos e alguns lugares.

No Relatório de entrega do Presídio Comum, feito em 1938, assinado pelo Ten. Cel Victtorio Caneppa, existem referências à “Travessa dos Remédios, acima da praça do mesmo nome” (diante da Igreja de N.Sª dos Remédios), à “Praça Padre Roma” (em frente à Directoria, que já tinha sido chamada de “Praça d´Armas” e recebera o nome de um dos padres que haviam atuado na ilha) e à “Estrada da Quixaba”. Esse nome “Praça Padre Roma” aparece sendo substituído em 20 / 04 / 1943, já no tempo de presença militar, pelo nome “Praça General Góes Monteiro”, do mesmo modo que a Praça dos Remédios passaria a chamar-se, a partir dali, de “Praça General Dutra”, a estrada que se dirigia ao porto passa a ser “Avenida Almirante Tamandaré” e assim por diante, numa clara alusão a um famoso militar brasileiro, sem nenhuma referência ou ligação com a ilha.

Um agravante aparece, nessas modificações dos nomes tradicionais por nomes de pessoas vivas. A Constituição de Pernambuco proíbe homenagens desse tipo de homenagens, somente sendo possível a atribuição de nomes de gente falecida, como homenagem póstuma, tanto para ruas como para prédios públicos.

O jornalista e historiador Mário Melo, que visitou Fernando de Noronha em 1916 e sobre a ilha produziu um belo trabalho, sempre atento ao comprimento da Lei, abria “guerra” contra toda e qualquer pessoa que ousasse sugerir ou acatar tais denominações. E enquanto viveu, foi abriu essas frentes de luta, sendo sempre vencedor e fazendo permanecer os nomes antigos, folclóricos, muitos sem jamais se conhecer.a origem. Em muitos casos, a opção de dar aos lugares nomes de espécies da natureza, é uma saída acatada com aplausos, pelos que passarão a habitar esses espaços. É o caso das cinco vilas de CHOAB Rio Doce, em Olinda, que batizou suas ruas e quadras com nomes de flores, como se tudo fosse um enorme “jardins”, com seus “canteiros floridos”.

Em Fernando de Noronha, seguindo essa tradição, deu-se ao caminho do cemitério o belo nome de “Rua da Consolação”, como se havia dado, no Recife e em Olinda, o nome de “Avenida da Saudade”, para lembrar os sentimentos de perda e de consolo, que a morte evoca. Também batizou-se como “Rua da Alamoa” um espaço, homenageando a mais famosa lenda noronhense, decantada em verso, em canção e em texto teatral, tanto no século XIX, como no século XX.

Outro costume aceitável, foi aquele de chamar-se pelo apelido com o qual alguns presos se notabilizaram, vindo daí a Rua Pinto Branco, por exemplo. Ou o nome de pessoas que moraram naquele espaço, ficando na lembrança dos que com elas conviveram, como é o caso da Rua Nice Noeli Cordeiro, antiga diretora da escola noronhense, que veio a falecer exatamente na rua que hoje a homenageia.

Conclui-se que o respeito ao passado exige sempre uma atitude consciente diante da atribuição ou manutenção dos nomes de uma localidade. Em respeito às homenagens mais antigas, não se deve propor uma nova denominação, apenas substituindo-se “aquele” nome por “este”. O mais correto será manter-se o nome mais habitual, com o qual a comunidade está mais familiarizada e, havendo quem homenagear, discutir-se com a população habitante de um espaço a atribuição mais adequada, prevalecendo o bom-senso, sempre, na aceitação definitiva.

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