sexta-feira, 18 de julho de 2008

O IMAGINÁRIO EM FERNANDO DE NORONHA


Os lugares são lembrados, pela que tenham de excepcional no seu meio ambiente... Os lugares são lembrados pela força da sua cultura, das suas tradições, da contribuição do homem interferindo naquele meio e impondo ali a sua marca... O quê faz lembrar Fernando de Noronha?... Que traços marcantes tornam o arquipélago inesquecível?

Histórias que vieram do passado, que falam de seres fantásticos, de aparições temidas, de encantos que povoam os espaços, de paisagens de marcante beleza, de cenários de sonho, da transparência das águas, da diversidade de vida marinha, do pôr-do-sol a cada dia mais bonito e de tantas coisas serenas que, uma vez desfrutadas, conhecidas, guardam-se cativas nos corações das gentes.

Das lendas, duas aparecem à frente, no imaginário popular: uma é aquela que imagina uma espécie de sereia, loura, linda e sedutora, a encantar desavisados com seu sortilégio, atraindo-os para os rochedos, em noites sem lua, levando-os à morte, a menos que um clarão qualquer desfizesse o encanto. É a ALAMOA, a mulher tentadora e traiçoeira, capaz de destruir o objeto do seu desejo... É a MULHER DE BRANCO que tantos juram ter visto, pelos caminhos noronhenses. A outra, imagina o castigo dado a dois seres gigantescos que pecaram e, por isso, foram condenados a virarem pedra, ela tendo seus seios aflorados à beira d´água, no morro dos Dois Irmãos e ele tendo seu órgão genital transformado no morro do Pico, dando origem à LENDA DO PECADO (“atualizada” nos nossos dias com os apelidos de “Fafá de Belém” – para ela – e “Bráulio” – pela ele).

Outras histórias do universo popular permaneceram, através dos tempos... A que imagina o CAPITÃO KIDD, célebre pirata, escondendo seu tesouro numa caverna... A que fala do CAJUEIRO DA CIGANA, recordando uma cigana, prostituindo-se na lha até morrer e aparecendo junto ao cajueiro plantado na sua cova, para oferecer seu amor... A que lembra um TESOURO ENCANTADO, enterrado num local deserto, próximo à uma cajazeira, anunciado por um velho de longas barbas brancas... A que imagina uma LUZ DO PICO, saindo de uma fenda do morro do Pico e se transformando numa mulher, atraindo suas vítimas para o morro, fechado após a passagem. A que fala do MISTÉRIO DA CACIMBA DO PADRE, que lembra a aparição de um padre junto à uma cacimba, na praia da Quixaba, montado numa mula branca, sem cabeça... Ou a que fala no GIGANTE DA MEIA NOITE, um “pescador” gigantesco, atrapalhando a pescaria e assombrando os pescadores... E a que lembra o MONSTRO DO SUESTE, disfarçado à beira d’água, confundindo e assustando pescadores, na baía Sueste... A que imagina um MENINO DO DENTÃO, assustando criancinhas... Ou supõe ouvir o arrastar de correntes do HOMEM DOS TELHADOS, na Fortaleza dos Remédios, nas noites sem lua...E a LENDA DO PECADO, referente àquele casal de gigantes, transformados em pedra, ela com os seios à flor d’água, no morro Dois Irmãos e ele tendo o falo petrificado no morro do Pico e que espelha o erotismo reprimido do habitante de área insular.

Outras histórias saborosas foram sendo recolhidas ao longo dos tempos, falando de presos que permaneceram aí, depois de merecerem a liberdade; de comidas ligadas àquilo que vem do mar, inovando no sabor e no tempero, misturando cores e gostos criadores de uma gastronomia insular; de tradições mantidas nas festas populares; de ritmos dançados com pés descalços e molejo belo de olhar; de charmosos casamentos alternativos unindo casais desgarrados das leis e das normas; de tantos e tantos fazeres, de tantas e tantas lembranças...

GASTRONOMIA INSULAR
O peixe é assado na palha da bananeira, de forma rudimentar... O tubarão servido em postas secas, salgadas e assadas, comido com saladas cruas e cozidas ou apresentado em forma de bolinhos ou recheio de empadas... As “sinfonias marítimas” trazem o polvo, a lagosta, o peixe, o camarão que, junto com as muitas verduras, são servidos com pirão leve e saboroso... O arroz se cozinha com polvo, com peixe, com lagosta e até com café ou sucos regionais (doces mangas, cajus ou pitangas)... O leite de coco inunda os molhos dos peixes, das lagostas, dos siris, dos polvos... Os enormes caranguejos lambuzam bocas, rostos e braços dos que se aventuram... Delícias que não se esquecem nunca!

FESTAS MARCANTES O ANO TODO
No tempo do Carnaval, grupos que há muito buscam diversão juntos se encontram, se preparam e fazem um carnaval que tem seus caminhos, que unem idosos, jovens, sambistas, turma do reguee e brincantes de maracatu... Na Quaresma, gente da terra revive o sofrimento do Cristo pelas pedras da Vila dos Remédios, no alto das torres sineiras, diante da escadaria da Igreja... Nas festas juninas dança-se na terra (quadrilhas, coco-de-roda, xaxado...) e na água (com direito até a casamentos submersos, com noivos equipados para mergulho)... No Natal os pastoris reaparecem, trazidos como um costume do tempo militar, zelosamente mantido e repassado aos jovens... E o fim de ano se antecipa, no “Reveillon dos Ansiosos”, tão ansiosos que nem agüentam chegar ao costumeiro 31 de dezembro e acontece num dia qualquer de dezembro, de forma mágica, cheia de mungangas, de símbolos esotéricos e cristãos... Depois, no último dia do ano, quase todos vestem branco, procuram o mar ali tão perto, festejam, comem, bebem, amam... E, ao longo do ano inteiro, as rodas de Capoeira rememoram o tempo em que todos os capoeiristas do Brasil foram banidos para Fernando de Noronha, considerados desordeiros e contraventores...

DANÇAS NORONHENSES
Sobre todos, pairam a lambada, dançada descalça, cheia de sensualidade e ginga; o forró, de corpos muito unidos, suados e gingados; os passos de frevo, desengonçados e com pouco malabarismo; o ensurdecedor baque de maracatu; ou ainda as contagiantes danças do ciclo junino, como quadrilha, coco-de-roda, dançadas até embaixo d´água...

Danças que aconteciam lá fora, no continente, em tempos passados e que aqui chegavam para ganhar características próprias. Danças e ritmos que se repetem, ensinados por pessoas da ilha que se apropriaram e adaptaram o forte universo de brincantes do nordeste... Essa é a herança recebida por esses que hoje formam a comunidade noronhense.

CASAMENTOS ALTERNATIVOS
A razão só pode ser o amor. Seres que se amam, resolvem se casar numa atmosfera irreal, diante das pedras dos fortes ou da minúscula capela no alto do mirante, tendo – em ambos os espaços – a paisagem por testemunha e a decisão definitiva guiando-lhes os passos.

Não há validade oficial... O compromisso é oficioso. As palavras do rito improvisado falam da eternidade do amor e da urgência na vida em comum. O clima que se instala suscita ousadias maiores, como a chegada da noiva de vestes “aciganadas”, montada num cavalo cheio de enfeites, ladeada por pajens de roupas alvas e turbantes sensuais... Noivos, convidados, ilhéus, todos são cúmplices dessa busca da felicidade que tem nomes e caminhos próprios, numa terra de decisões surrealistas! Isso é a FERNANDO DE NORONHA que nem todos descobrem e que a todos encanta...

(Textos extraídos do livro “Fernando de Noronha – Cinco Séculos de História”, Cap.8 - "Patrimônio Imaterial")

Nenhum comentário: