sábado, 22 de agosto de 2009

GASTRONOMIA INSULAR (de Fernando de Noronha)


Numa ilha, quase sempre, a comida gira em torno do mar. No passado, Fernando de Noronha era atração dos que navegavam por ali, pela piscosidade de suas águas, pela facilitada em encontrarem-se polvos, lagostas, caranguejos, cações e tantas outras maravilhas que o mar reserva. Mas não era somente isso que queriam os marinheiros errantes... Queriam as tartarugas enormes, para levá-las amarradas em seus barcos, para as abaterem, à medida que precisassem delas como alimento. Queriam as aves, como “tira-gosto”, talvez... Queriam ovos, carregados aos montes, nas jornadas em que se aventuravam... Queriam frutas...

Em tempo de Colônia Correcional, normas rígidas controlavam a alimentação do preso, permitindo-lhe apenas a ração estabelecida (o “muniço” de cada dia), pobre em vitaminas e proteínas, sem lhes dar o direito de comer o que produzissem ou pescassem, cedendo para as autoridades esse melhor alimento. Mas, às escondidas, quantos relatos de “travessuras” feitas na calada da noite, ou em lugares reservados, escondidos dos seus superiores. Enormes melros capturados, grandes tartarugas e lagostas, até mesmo bodes e bois roubados dos seus cercados, fizeram a delícia alimentar daqueles homens condenados a comer mal e pouco, mesmo que tivessem que tratar, cozinhar improvisadamente e comer às pressas os seus “banquetes, apagando qualquer rastro deixado da aventura feita”.

A fartura do mar noronhense atraiu a cobiça dos que viviam no continente, ficando célebre a vinda de pescadores para a ilha, com a finalidade específica de remeterem toneladas de bom peixe para o Recife, onde eram vendidos na sede de apoio do Território Federal (ao tempo, na Avenida Agamenon Magalhães, na capital pernambucana). E, na ilha, essa fartura e diversidade gerou pratos especialmente pensados para o aproveitamento do alimento local, sendo o peixe sempre o campeão em procura e consumo. Para capturá-lo, organizaram-se campeonatos de caça submarina, sendo famosa a participação, num desses, do médico Ivo Pitangui, campeão na modalidade desportiva. Essa prática esportiva foi proibida.

Depois, os olhares se voltaram para o tubarão. Considerado uma comida saborosa - se preparado com critério - a captura do tubarão passou a ser maior quando o processo de secar e salgar o animal fez surgir o “tubalhau”, hoje uma das maiores atrações noronhenses, seja em forma de bolinhos, recheio de empadas ou saladas aceboladas. Mas também a captura do tubarão sofreu restrições e hoje só é praticado no alto mar e em quantidade limitada.

E o polvo, abundante nas praias; os caranguejos e lagostas, cuja captura não estava sujeita a normas preservacionistas... A criação do Parque Nacional Marinho freou, um pouco, a busca desenfreada do alimento que vem do mar, estabelecendo critérios e locais onde ela poderia ocorrer, sendo hoje a gastronomia insular subordinada a essas práticas, profundamente fiscalizadas e sempre bem sucedidas, que custaram a serem entendidas pelos próprios noronhenses.

Que pratos fazem mais sucesso na ilha?

ð O peixe é assado na palha da bananeira, de forma rudimentar, ou servido cozido, acompanhado de suculento pirão...
ð O tubarão servido em postas secas, salgadas e assadas, comido com saladas cruas e cozidas ou apresentado em forma de bolinhos ou recheio de empadas...
ð As “sinfonias marítimas” que reúnem o polvo, a lagosta, o peixe, o camarão num mesmo cozimento (de preferência em panela de barro) e que, junto com as muitas verduras, são servidos com pirão leve e saboroso...
ð O arroz se cozinha com polvo, com peixe, com lagosta e até com café ou sucos regionais (mangas, cajus, pitangas...)...
ð O leite de coco que inunda os molhos dos peixes, das lagostas, dos siris, dos polvos...
ð O coco ralado de forma tradicional (em ralador feito de uma roda de ferro pontilhada, apoiada em um pedaço de madeira), transformado num doce tentador, semelhante a uma cocada, chamado “Quem-quer” ou misturado a outros doces e bolos...
ð Os enormes caranguejos que lambuzam bocas, rostos e braços dos que se aventuram e permitem que seja feito um pirão fantástico...

Uma bebida noronhense, nascida das proibições

Merece um registro especial a bebida noronhense “PÁ-BUFF”, inventada pelos sentenciados, diante do desejo de beber e de lhes ser proibida a bebida alcoólica. Feita de álcool, cravo e suco de fruta, foi sempre considerada “de efeito paradisíaco” e absolutamente proibida, desde a época da Colônia Correcional. Mistura forte... Seu nome é corruptela do sintoma provocado pela bebida: quem a bebesse era logo: “Pá”... “Buf” no chão. A receita passou de preso para preso, de geração para geração e chegou aos dias atuais. Nada é mais arrasadora do que ela...
É... Comer e beber em Fernando de Noronha pode ser um prazer a mais, nessa terra de tantos encantos!

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