sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

UM "CENTRO DE MEMÓRIA PRISIONAL" PARA FERNANDO DE NORONHA


Por mais de duzentos anos Fernando de Noronha abrigou um Presídio Comum e Colônia Correcional, recebendo prisioneiros condenados a longas penas, e – eventualmente - presos políticos, dos grandes movimentos ocorridos em todo o Brasil. Até então, era Pernambuco o responsável pela manutenção daquele confinamento, usando o encarcerado como mão-de-obra para todos os trabalhos.

Em duas épocas distintas (1938/1942 e 1964/1965) somente presos políticos foram mandados para lá, época em que a ilha saiu da esfera pernambucana, para ser administrada pelo Governo Federal.

Imagens, narrativas, obras, trazem aos dias atuais as características desse degredo insular, tão pouco conhecido do Brasil. E, num tempo em que o Turismo espreita o Arquipélago, ávido principalmente pela sua beleza natural, é significativo pensar-se em registrar essa memória prisional em um espaço-símbolo, que apresente os dados obtidos no “Programa de Resgate Documental sobre Fernando de Noronha”, em curso há mais de três décadas.

É preciso que, em tempo, crie-se no Arquipélago o “Centro de Memória Prisional de Fernando de Noronha”, enquanto resta parcialmente de pé um dos três edifícios construídos para esse fim, como um espaço especial de Cultural e de Serviços, de registro e de visitação, esclarecendo, de forma museográfica, o que foi o longo tempo de presídio no meio do oceano, com sua riqueza histórica apresentada de forma digna e oportuna. A isso se chama SALVAGUARDA.

Entende-se por “salvaguarda” a identificação, a proteção, a conservação, a restauração, a reabilitação, a manutenção e a revitalização dos conjuntos históricos ou tradicionais e de seu entorno”. (Recomendação relativa à salvaguarda dos conjuntos históricos e sua função na vida contemporânea – UNESCO, 1976 – item 01, letra c)
Para realizar esse intento, seria conveniente implantar-se um espaço cultural na única edificação restante, dentre as que abrigaram presos, em todos os tempos: a ALDEIA DOS SENTENCIADOS / PRESÍDIO FEMININO, localizada no centro da Vila dos Remédios, antiga “Praça d´Armas” ou "Praça do Commando”. E usar-se o espaço para trazer de volta o passado, em setores a serem ocupados com a museografia pertinente e serviços como auditório, lojas, setores administrativos, dando funcionalidade ao edifício com a sua requalificação.

Um bem sucedido exemplo existe: o presídio de Ushuaia, na Patagônia Argentina, “la ciudad más austral del mundo”, que funcionou de 1902 a 1947 e foi transformado num dos mais impressionantes museus do gênero - o "Museo Maritimo y Presidio de Ushuaia", trazendo de volta a memória daquele tenebroso e gelado cárcere no extremo do mundo.

A antiga “Aldeia dos Sentenciados / Presídio Feminino" é o único exemplar ainda de pé em Fernando de Noronha que registra a existência de um longo presídio de quase três séculos. Uma edificação de caráter monumental, erguida no século XXVIII, com área total de 2.100,00m², parte desta área - de 1.296,40m² - com grande parte das referências arquitetônicas conservadas e um pátio interno de 345,00m². Usada em épocas mais recentes para muitos fins está atualmente bastante danificada. Todos os registros arquitetônicos ainda visíveis estão ameaçados de destruição, podendo causar uma perda irreversível desse bem material e perdendo-se a chance de compreensão da história prisional ali vivida.

Do ponto de vista ambiental, essa é uma área que já causou impacto, pela extensa área de solo impermeabilizado, sendo a proposta de restauração e novo uso do espaço uma ação para salvar-se um bem cultural, sem comprometer novos lotes de solo natural, e oferecer nele oportunidade de ampliação da oferta de Serviços e de Cultura, centrando ali, como atração histórica, o desenrolar de três diferentes formas de aprisionamento insular, a partir do século XVIII, resgatando o passado e dando a funcionalidade de serviços garantidores da sustentabilidade do equipamento.
Um bem cultural tangível - a edificação - corre riscos de desaparecer, em Fernando de Noronha, como já ocorreu com tantos outras erguidas, nos dois primeiros séculos de ocupação definitiva (a partir do século XVIII) e o mais grave, com ele acabarem-se as chances do registro intangível dessa dantesca prisão no oceano, distante de tudo e de todos. Tomara que isso possa acontecer!
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Foto 01 - Presos diante da Aldeia dos Sentenciados
Foto 02 - Aldeia dos Sentenciados
Foto 03 - Presídio de Ushuaia

3 comentários:

Anônimo disse...

ler todo o blog, muito bom

Jean Gmack Gomes disse...

Prezada Marieta,

Engrosso o coro pelo “Centro de Memória Prisional de Fernando de Noronha”.

Anônimo disse...

Saudações a todos.
Se esperarmos os governantes, tudo vai abaixo. Creio que não se pode esperar mais um dia, pois o que ersta do presidio feminino em FN está uma lástima.
Só vejo uma solução:
Pesquisar nos documentos oficiais e junto a eventuais parentes/descendentes, os nomes das mulheres que lá estiveram presas. Depois, uma campanha para arrecadar fundos e tocar a obra.
Estou disponivel, mas sozinho não posso ir avante.
No aguardo do contato de alguém que também se importa com tudo aquilo.
ezopp@uol.com.br