sexta-feira, 18 de julho de 2008

POEMA AO LIXEIRO


Nada há de belo
no trabalho daquele
que recolhe lixo,
dia após dia:
nem perfume, nem limpeza,
nem a disposição ordeira
das coisas arrumadas e estáticas...

Pressurosos e aparentemente felizes,
caminham, correm, apanham fardos,
reviram, misturam,
- misturam-se, como lixos humanos –
sobrevivendo da dolorosa profissão
que se alimenta de restos...

Dolorosa partilha de uma vida
que se mantém porque existem sobras...
Suado pão que se ganha
sujando as mãos no que foi desprezado...
Terrível certeza de permanecer limpo
na alma de trabalhador,
em luta pelo seu quinhão,
sob o eco e o desdém da palavra lixo!

E, enquanto apanham cacos
e mergulham as mãos na podridão dos úmidos dejetos,
sabem-se homens de verdade,
no enfrentar de uma desdita
cobrada por todos os outros homens,
que precisam – de algum modo –
safar-se do que lhes sobra,
do que foi, ontem, razão de ordem,
do que já não serve mais
senão para ser jogado fora.

Lixeiro-irmão,
que limpas os caminhos dos homens,
com o teu sacrifício diário e anônimo,
ergue os olhos para o céu tão limpo
e acredita na justiça que fará de ti
o primeiro entre os últimos
a aspirar a claridade dos espaços definitivos,
onde não há teias,
sombras,
restos!

(Publicado no livro “No silêncio do coração”, de
Marieta Borges Lins e Silva, Ed.Catolicanet, SP/2006)

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